Iraque

Quase que deixava um ferro cair no chão quando ouvi a voz de Bradley ao meu lado, podia estar a falar baixo, mas tinha sido o suficientemente alto para conseguir distrair-me em todos os aspetos. Fechei os olhos e respirei fundo. Não lhe disse nada até colocar o ferro em pé e o espetar na terra com a ajuda de outro soldado, que se foi embora mal isso estava feito. Virei-me para Brad sem muita paciência e olhei-o. - Podias ajudar em vez de falar. - comentei - o que é que queres?

Baixei-me assim que Daniel ia deixando cair o ferro que segurava, pronto para o apanhar, mas ele não chegou a deixá-lo e, por isso mesmo, endireitei-me.
- Eu sei que estás chateado.- murmurei, suspirando pela forma como me falava.- mas tenta perceber-me, eu não te quero deixar aqui.- disse, pela milésima vez.- e eu vou fazer de tudo para que vás comigo.- encolhi os ombros.- mesmo que não queiras.- murmurei, aproximando-me de uma outra tenda que estava caída, tentando recompô-la.

Olhei para o chão enquanto ele falava e abanei a cabeça à medida que ele o fazia. - Tu não percebes pois não? - perguntei levantando o olhar até ele. - Eu quero ir, eu quero sair daqui, achas mesmo que... - fechei os olhos e respirei fundo - Estás a criar-lhe esperanças, disseste-lhe que eu ia quando podem nem me deixar ir. - disse - ele é uma criança, não podes prometer-lhe coisas que não sabes se vais cumprir porque ele não compreende.

Fiquei calado enquanto falava, visto que também me tinha deixado falar, e limitei-me a suspirar, abanando a cabeça.
- E tu não percebes que eu vou conseguir, pois não? Eu vou conseguir.- disse, encolhendo os ombros.- quer acredites em mim ou não.- murmurei, decidindo deixar aquele assunto e afastei-me para ir levantar outra tenda. Nem que gastasse todo o dinheiro que tinha, eu ia levá-los aos dois comigo.

Suspirei vendo-o afastar-se depois de dizer que ia conseguir levar-me e abanei a cabeça. Não conseguia acreditar. Acreditava que ele queria e que ia tentar, mas não acreditava que conseguisse. Não iam deixar.
Mordi o lábio fazendo força para conseguir levantar a última parte da tenda sozinho e quando consegui perceber que aquilo estava estável afastei-me olhando para Brad. Mordi o interior da bochecha e obriguei os meus pés a mexerem-se para ir ter com ele, mas no preciso momento que lhe ia pedir desculpa ouvi o som das sirenes que indicavam que estávamos a ser atacados.

Assim que coloquei em pé a única tenda que ainda restava, não tive tempo de fazer mais nada sem ser reagir ao barulho das sirenes que indicavam que, mais uma vez, estávamos a ser atacados. Agarrei logo na minha arma, ajeitando o meu capacete e só avancei depois de ter a certeza de que Daniel continuava junto de mim. Podia estar chateado, mas não queria que ninguém lhe fizesse mal.
- Avancem! - gritei para todos, que se encontravam demasiado parados e corri logo em direcção do som das balas, começando também a disparar.

Olhei apenas uma vez para a zona onde Ben estava situado, percebendo que eles não vinham desse lado, o que queria dizer, que ele estava seguro, por pouco tempo, mas... Abanei a cabeça para pensar em alguma coisa e assim que tive tempo de agarrar na minha arma desatei a correr em direcção aos inimigos. Já não queria saber se era bom ou mau matar aquelas pessoas, eles tinham magoado uma vez Brad, tinham-me quase morto, e agora tinham ferido Ben. No que dependesse de mim, eles iam morrer todos.

Se por um lado não era bom estar chateado enquanto combatia, por ter a cabeça noutro lugar, também tinha o seu lado positivo, pelo simples facto de que podia descarregar toda a raiva e frustração naqueles homens que só por acaso tinham sido os mesmos que tinham feito mal a Ben. Cerrei o maxilar, olhando nos olhos de um deles, que me apontava a arma à cabeça e, antes que ele tivesse tempo de fazer fosse o que fosse, já eu lhe tinha dado um tiro mesmo no meio da testa.
- Esta foi pelo Ben.- falei baixo, de dentes cerrados, olhando para trás, para Daniel, mas logo tive de me voltar a concentrar, ou quem morria era eu.

Escondi-me atrás de um amontoado de tendas, que me protegiam e me davam visão de vários alvos que podia atacar. Eu estava cheio de tanta raiva que nem pensei duas vezes antes disparar em todos os que apareciam.
Não estava nos melhores dias, os meus níveis deviam estar baixos, ou então a febre tinha voltado, porque suava por todos os lados, mas não desisti. Não ia deixar que mais pessoas inocentes morressem. Eles deviam estar todos mortos.

Já tinha perdido conta à quantidade de homens que já tinha morto mas, a verdade era que eles eram mais do que as próprias mães.
- Bradley! - ouvi alguém gritar e, quando me virei na direcção do som, já só vi um deles correr na minha direcção. Abanei a cabeça, apontando rapidamente a arma na sua direcção e, ao mesmo tempo que eu disparei, ele fez o mesmo.
- Ah! - deixei escapar, ao sentir a bala passar de raspão pelo meu braço, mas assim que olhei o mesmo, depois de o outro ter caído de joelhos à minha frente, percebi que não passava de uma ferida, nada demais. Eu era melhor do que eles, não morria assim com tanta facilidade. Passei uma mão pela testa, respirando fundo e tentei ignorar a dor, para conseguir continuar. Já tinha feito coisas piores.

Sentei um aperto no peito quando ouvi alguém chamar o nome de Brad e virei-me para trás, visto que agora já estava mais ou menos à sua frente. - Brad - murmurei ao ouvir o som de dor que fez e nem pensei duas vezes, nem mesmo no sítio onde estava, para ir ter com ele. Arregalei os olhos quando uma bala me acertou no pé, ou melhor nas botas e corri o mais rápido que conseguisse mandando-me para o chão, mal cheguei ao sítio onde ele estava. - Estás bem? - perguntei preocupado mas tentei não desconcentra-lo ou morríamos os dois. Depois de aceitar num homem que vinha por trás de nós, olhei para Brad mais uma vez, podia estar aziado com ele, mas... eu continuava a sentir o mesmo de antes.

Assim que ouvi a voz de Daniel mesmo ao meu lado, toda a concentração, ou melhor, a pouca concentração que tinha, foi por água abaixo. Principalmente depois de ver uma bala ir parar directamente ao seu pé. Cerrei o maxilar, virando de imediato a cara na direcção da pessoa que lhe tinha feito isso e nem pensei duas vezes em disparar directamente para a sua cabeça. Queria-os a todos mortos, um por um. Mas a verdade era que para isso precisava de estar concentrado e digamos que estar chateado com ele não ajudava lá muito. Olhei de relance para o meu braço, que continuava a sangrar, mas rapidamente desviei o olhar assim que Daniel me falou.
- Isto não é nada demais.- disse, descendo o meu olhar para o seu pé.- eles acertaram-te? - perguntei. Por mais que estivéssemos chateados, eu gostava demasiado dele para não me preocupar.

Ignorei o "não é nada demais" dele e rasguei parte das minhas calças para lhe prender no braço e estacar o sangue. - Não - respondi enquanto lhe atava aquilo ao braço enquanto lhe mantinha a cabeça fora da mira dos inimigos. - Os meus pés são demasiado pequenos para estas botas - completei baixando a cabeça quando reparei que me tinham visto e começaram a disparar. Agarrei na minha arma disparando em cheio no homem e, num ato de adrenalina, agarrei no braço bom de Brad e arrastei-o, para trás de um muro encostando as costas ao mesmo para verificar se estava tudo livre por trás de nós. Suspirei de alívio e cansaço misturado quando percebi que, por enquanto, estávamos bem, mas não deixei que as minhas mãos se separassem da minha arma. - Precisas de ter mais cuidado - murmurei ainda a repor a respiração, sentindo-me suar a potes.

Revirei ligeiramente os olhos, assim que o vi rasgar um bocado das suas calças e não era preciso ser-se muito espero para saber o que ia fazer a seguir.
- Isto não é nada demais Daniel.- reclamei deixando, contudo, que fizesse o que queria e assenti assim que me disse que não se tinha aleijado, só então reparando que nos estavam a apontar uma arma quando Daniel disparou. Arregalei ligeiramente os olhos, olhando para trás e mal tive tempo de reagir, uma vez que Daniel me puxou para que nos abrigássemos. Estava definitivamente a precisar de descansar. Esfreguei os olhos, tentando manter-me concentrado e espreitei por cima do muro, vendo que, aos poucos, já era só os soldados do meu acampamento quem permanecia por ali. Encostei a cabeça ao cimento, respirando fundo e permiti-me fechar os olhos apenas durante uns segundos.- eu tenho cuidado.- respondi-lhe com um encolher de ombros.- ele pode ter sido mais rápido do que eu primeiro, mas fui eu quem o matou.

Revirei os olhos face ao seu encolher de ombros, como se estivesse descontraído - e se não tivesses sido mais rápido estavas morto neste momento. - disse sentindo o meu coração apertar-se só pela forma como tinha falado. Não o podia culpar. Estávamos em guerra. Encostei a cabeça ao muro em que estávamos e olhei-o, mais calmo - desculpa.

Ao início ainda tive de abrir os olhos e olhá-lo para ter a certeza de que era mesmo Daniel que me estava a falar daquela forma e, assim que tive a certeza, voltei a encostar a cabeça ao muro, fechando os olhos de novo. O som dos tiros estava a deixar de se ouvir aos poucos, o que muito provavelmente significava que a guerra estava a acabar ou, pelo menos, a acalmar. Agradeci mentalmente por isso, mantendo-me em silêncio enquanto tentava recuperar algumas forças, mas assim que ouvi o seu pedido de desculpas, fui obrigado a olhá-lo.
- Estás a pedir-me por não acreditares em mim quando digo que te vou levar comigo ou estás a pedir desculpa por me teres falado mal? - perguntei, nem lhe dando tempo para que respondesse.- é que se é por isso, prefiro que me fales assim do que não acredites em mim. - murmurei, encolhendo os ombros.

Levantei o olhar quando começou a falar do facto de eu não acreditar que ele conseguisse levar-me para fora daqui e revirei os olhos. Não estávamos a falar disso, mas ele tinha que trazer sempre uma maneira de levar isso à tona. - Assim vou continuar a falar-te mal - disse levantando-me, depois de olhar em volta e ter a certeza de que estava tudo bem, para ir de volta às tentas, tentar monta-las, queria a minha cama, que por muito incomoda que fosse, era melhor do que dormir no chão.
Não era que não acreditasse que ele quisesse ou tentasse levar-me para fora daqui, apenas não acreditava que ele conseguisse porque Karen não ia facilitar as coisas.

Eu odiava estar chateado com ele, mas se havia coisa que eu odiava ainda mais era que não acreditasse nas coisas que eu lhe dizia. Tudo bem que era arriscado levá-lo comigo e tudo bem que o mais provável era Karen não facilitar as coisas, mas eu não era de desistir daquilo que queria, muito menos se tivesse relacionado com ele. Suspirei com o que me disse, acabando por revirar os olhos ao vê-lo ir-se embora e ainda fiquei uns minutos ali sentado, acabando depois por me levantar para ir em direcção à zona das tendas. Avistei-o ao longe, tentando recompor a nossa tenda e abanei a cabeça, caminhando na sua direcção.
- Daniel.- murmurei, para que me olhasse e, assim que o fez, eu não lhe dei tempo de reagir, agarrando logo na sua cara com ambas as mãos para o beijar.- desculpa-me.- disse baixinho contra os seus lábios.

A tenda estava feita em pedaços, tal como as coisas que estavam lá dentro, não dava para reconstruir, íamos ter que pedir a Karen uma nova tenda. Suspirei mandando uma estaca a baixo com o pé, num ato de raiva e desespero. Só me queria deitar por uns minutos, estava mais cansado do que ontem, quando a febre me atingiu.
Levantei a cabeça quando ouvi o meu nome e, até pensei que fosse outra pessoa, porque a voz era baixa e nunca pensei que Brad viesse falar comigo depois do que tinha acontecido, mas era ele. - O... - arregalei os olhos, meio atordoado, quando ele me agarrou na cara sem me dar tempo para dizer o que fosse e me beijou. Levantei as mãos, que até agora estava lado a lado do meu corpo, e agarrei-lhe no casaco da farda - Está tudo bem - disse no mesmo tom que ele, mas logo juntei as sobrancelhas quando senti um calafrio que me deixou os sentidos confusos - não está... - abanei a cabeça encostando a testa ao peito dele

Senti um peso enorme sair de cima de mim, assim que o senti corresponder ao meu beijo e puxei-o mais contra mim, acariciando-lhe a bochecha enquanto o beijava. Fechei os olhos com um suspiro baixinho, encostando a minha testa à sua, e abri os olhos devagarinho, sorrindo com o que disse. Eu não conseguia estar mal com ele, mesmo que me chateasse o facto de ele duvidar, eu não conseguia falar-lhe mal ou simplesmente não fazer o que estávamos a fazer naquele momento. Sorri ao de leve, ficando a olhar os seus olhos, mas o meu sorriso logo desapareceu quando vi o seu corpo estremecer e a sua cabeça pousar no meu peito, ao mesmo tempo que ele murmurava que não estava tudo bem.
- O que é que se passa? - perguntei baixinho, baixando o olhar para ele.- o que é que tens?

Uma coisa era certa, se ainda não tinha melhorado da doença de ontem, seja qual for, ainda bem que a febre baixou e me senti com mais energia, porque se isso não acontecesse o mais provável era estar morto, ou então Brad, por tentar proteger-me. O meu corpo parecia feito de chumbo, ou até de um material mais pesado, porque não conseguia movimenta-lo como queria, tendo que permanecer agarrado a Brad. - Nada, estou só cansado - disse num tom baixo, não era mentira, mas também não era completamente a verdade.

O que me estava a deixar ainda mais preocupado era o facto de ainda ontem ele ter tido febre e agora estar como estava. Juntei as sobrancelhas, mantendo-o bem junto do meu corpo assim que percebi que estava sem forças e assim que o ouvi falar, baixei o olhar para ele.
- Tens a certeza de que é só isso? - perguntei num tom baixo, agarrando-o bem.- eu posso levar-te à enfermaria, é melhor não é? - olhei-o.- não me mintas Daniel.

Deixei de me agarrar com tanta força quando senti que Brad me impedia de cair e abanei a cabeça. Eu não sabia se era só cansaço ou não, mas os meus músculos tremiam e mal conseguia estar de pé - Sim - murmurei quando me perguntou se era melhor levar à enfermaria. Ela devia estar cheia por causa do que tínhamos passado nas últimas horas, mas eu precisava mesmo de uma cama.

A cada minuto que passava eu só sentia a minha preocupação aumentar face ao seu estado. Ele já tinha estado doente e ferido, mas acho que nunca o tinha visto assim. Suspirei, realmente sem saber o que fazer, mas assim que o ouvi dizer que queria ir até à enfermaria, não pensei duas vezes em agarrá-lo ao colo e começar a andar para lá. Naquele momento estava mil vezes mais preocupado com o seu estado do que com o que as pessoas poderiam pensar. Andei o mais depressa que pude até à enfermaria e, assim que lá chegámos, a enfermeira veio logo ter connosco.
- Ele não se está a sentir bem.- murmurei.- precisa de uma cama.- acho que disse precisávamos todos, mas assim que viu a minha aflição, a senhorazinha assentiu, encaminhando-me para que o deitasse na única que ainda estava livre.
- O que é que se passa contigo querido? - perguntou ela, falando para Daniel.

Estava a congelar, a temperatura ali, no campo de batalha, era alta, eu sabia-o mas, a cada minuto que passava parecia que o meu corpo estava coberto de neve. Olhei para a enfermeira que me falou, depois de me ter deitado na cama. Eu conhecia-a, era aquela que me ajudava sempre que a minha medicação estava escassa, aquela que tinha sido subornada pelo meu pai para me ajudar caso precisasse de alguma coisa. - Estou a congelar - murmurei tentando procurar por cobertores, mas não havia nenhuns por ali. Senti uma mão, igualmente gelada, na minha testa e arrepiei-me.
-Estás a arder, Daniel. Não estás a congelar. - informou-me ela.