Iraque

Eu ia matar a Karen, eu próprio ia metê-la debaixo de escombros, tal como estas crianças. Continuei a afastar os pedaços de cimento e quando ia pegar-lhe, Daniel aproximou-se de repente, fazendo-o por mim. Desta vez não lhe ia pedir que tivesse calma, nem eu a tinha, era um bebé, era demais para mim. Estremeci quando me gritou e sem pensar mais, rasguei o pouco que sobrava da sua camisola e comocei a fazer reanimação. Eu podia não ser médico, mas todos nós éramos preparados para situações daquelas, ou pelo menos, eu tinha sido.

Eu estava tão paralisado que nem sequer conseguia ver bem, ah não isso era por causa das lágrimas. Passei as mãos pelas bochechas levando-as depois ao cabelo, debaixo do capacete que já só provocava suores e olhei para a criança pequenina enquanto ela a reanimava.
-Ela está morta Brad - murmurei - por causa de nós.

Eu tinha de conseguir, eu ia conseguir..eu tinha-lhe prometido que não íamos deixar ninguém morrer, eu tinha de cumprir.
- Vá lá.- murmurei desesperado, continuando a pressionar as minhas mãos no seu peito, mas ela não se mexia.- não! - disse de repente, mal ouvi Daniel falar e não parei.- ela não morreu, eu prometi que ela não morria.- o meu queixo tremeu. Era só uma criança..- acorda.- pedi baixinho.

Era impossível ela voltar à vida depois do sangue que ela tinha perdido, dava para ver pela poça que havia debaixo dela. Passei a parte de trás da mão pela bochecha e a primeira coisa que fiz, não querendo saber se mais alguém nos via, foi abraça-lo para que ele parasse com aquilo.
-Estás bem? - perguntei baixinho olhando em volta para o resto dos estragos, não conseguia estar ali muito mais tempo.

Ia continuar a tentar reanimá-la quando senti os braços de Daniel à minha volta. Ainda pensei em debater-me mas não ia servir de nada. Estava tudo a correr mal, primeiro eu a ser alvejado, depois Daniel e agora esta bebé..todas as promessas que eu fazia ficavam por cumprir. Abanei a cabeça, cerrando o maxilar e senti os meus olhos arderem.
- Que tipo de homem sou eu se não consigo cumprir as minhas promessas? - apertei as mãos em punho e olhei em volta, sem estar a ver fosse o que fosse.- quero ir-me embora daqui.- disse.- tira-me daqui.

Passei as mãos pelas suas costas com um suspiro e fechei os olhos para não começar a chorar ou não ficar no estado ou pior em que ele estava.
-Não tens culpa Brad, só quem explodiu aquela bomba é que tem culpa - murmurei depois de me afastar para o conseguir olhar enquanto lhe agarrava a cara. Olhei em volta quando ele pediu para o tirar dali. Não sabia para onde o levar, nem sabia como sair dali, mas ia fazer um esforço para encontrar um sítio onde não se ouvissem gritos. - Anda - murmurei agarrando-lhe num braço para que me seguisse.

Apesar de Daniel estar a falar comigo e apesar de ele me agarrar na cara, nem a minha visão nem o resto do meu corpo estavam concentrados nas coisas que ele dizia, aliás, poucas palavras apanhei enquanto o ouvia falar. Levantei-me meio aos trambolhões, quando ele fez o mesmo, e segui da mesma forma ao seu lado enquanto ele me tirava dali. Eu só queria ir embora, eu só queria desaparecer, eu só queria que tudo parasse, que aquela tortura acabasse, queria parar de matar pessoas, queria parar de matar pessoas inocentes.

Depois da zona das ambulâncias e a da espécie de acampamento que havia para as crianças havia umas casas que também tinham ido afetadas. Espreitei para as mesmas vendo que estavam vazias e carbonizadas e encostei-o a uma parede puxando-o para que se baixasse e se sentasse. Fiz o mesmo abraçando-o e suspirei baixinho.

A minha visão estava turva, eu podia não estar a chorar, apesar de vontade não me faltar, mas eu não conseguia ver nada do que estava à minha frente. Tentei controlar os meus passos, para não tropeçar em mais nada e segui Daniel até umas casas, que consegui ver ao fim de uns minutos. Cerrei o maxilar, deslizando pela parede e já só senti os braços dele de novo em volta do meu corpo. Senti o meu queixo tremer, acabando mesmo por não conseguir controlar as lágrimas e encostei a cabeça no seu ombro, escondendo-a no seu pescoço.
- Eu queria..- murmurei baixinho.- porque é que eu nunca consigo? - solucei.

Sentia o meu coração mais apertado que ninguém, não conseguia ver ninguém assim quanto mais a ele. Fechei os olhos com força passando os dedos pelo seu cabelo como ele gostava e encostei a minha cabeça à dele impedindo-me de chorar apesar de já ter deitado umas quantas lágrimas.
-Não chores - pedi-lhe passando as mãos pelas suas costas e mordi o lábio com força - não tens culpa, Brad. Ouve-me. - pedi-lhe.

Eu nunca me tinha sentido assim, nunca tinha ficado assim por matar alguém, e a verdade era que já tinha morto algumas pessoas. Mas eram crianças..pequeninas e inofensivas, elas não mereciam que aquilo lhes acontecesse. Engoli um soluço, fungando baixinho e encostei-me o mais que conseguia a Daniel. Por um lado, não queria que ele me visse a chorar daquela maneira, mas estar perto dele ajudava-me a acalmar, nem que fosse um bocadinho.
- Eu não queria.- solucei.- elas não fizeram nada..- abanei a cabeça, sentindo o meu queixo tremer, coisa que eu tentei parar.- elas não mereciam.

Fechei os olhos passando os dedos pelos seus cabelos beijando-lhe a testa. - acalma-te por favor - engoli em seco passando as mãos pelas suas costas abraçando-o com força. Não valia a pena falar agora ele não me ia ouvir em nada do que dissesse por se estar a sentir tão culpado. Passei os dedos pelas bochechas para nao me desmoronar também e encostei-lhe a cabeça no meu ombro.

Não era isto que eu tinha prometido ao meu avô, não tinha sido para isto que eu tinha vindo para ali. Passei as mãos pelas minhas bochechas, tentando controlar o ataque de choro que estava próximo e deixei-me ficar encostado ao corpo de Daniel até me sentir acalmar, dentro dos possíveis. Levantei a cabeça ao fim de algum tempo e endireitei-me, desviando o olhar dele, ainda não acreditava que tinha chorado assim à sua frente.
- Não podemos ir embora? - murmurei baixo. Eu duvidava que pudéssemos, mas eu só queria sair dali.

Encostei a cabeça à dele ficando de olhos fechados mas tive que os abrir quando ela falou. Olhei-o vendo-o com os olhos vermelhos juntamente com as bochechas e toquei-lhe nas mesmas com um suspiro, abanando a cabeça.
-Não - murmurei - mas estamos bem aqui, e devemos estar quase a ir embora - sorri-lhe um bocadinho.

Mesmo depois de ele me ter tocado na bochecha, eu não desviei o meu olhar para ele, ficando a olhar para um ponto qualquer no horizonte. Funguei baixinho, passando as mãos pelas bochechas ainda húmidas e assenti ao que ele disse.
- Está bem.- murmurei apenas. Eu só queria desaparecer, era tudo o que eu queria.

Mordi o interior da bochecha encostando a minha cabeça ao seu ombro durante alguns segundos, mas lá a levantei e endireitei-me agarrando-lhe no queixo.
-Não podes ficar assim, percebido? - perguntei - muito menos ficares envergonhado por chorares. Já fizeste coisas mais envergonhantes - senti-me ficar todo quente. Podiam ser envergonhantes no inicio para um rapaz, mas era bom, pelo menos com ele. Com os outros nem sabia. -E não foi culpa tua. Não fomos nós que lançámos aquela bomba. Só estávamos a tentar ajudar - voltei a repetir o que lhe tinha dito.

Apesar de não querer olhá-lo, a sua mão no meu queixo fez com que tivesse mesmo de olhar para ele. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força, para tentar voltar ao Brad forte e que não chorava, mas mesmo assim, acabei por sorrir levemente ao ouvi-lo dizer que já tinha feito coisas mais envergonhantes. Levantei a cabeça do seu ombro, roçando o meu nariz no seu e depois, os meus lábios nos seus.
- Isto? - perguntei, referindo-me às coisas envergonhantes.- ou isto? - falei ainda contra a sua boca, beijando-o depois. Acabei por abanar a cabeça, voltando a encostar a cabeça no seu ombro e soltei um suspiro.- eu sei.- murmurei baixinho.- mas elas não mereciam nada disto.

Sorri quando ele sorriu um bocadinho e fechei os olhos ao sentir os seus lábios roçarem nos meus depois dos nossos narizes fazerem o mesmo. Assenti com a cabeça não tendo tempo de responder porque ele beijou-me logo de seguida. Sabia que não ia aprofundar por isso decidi manter-me calmo. - coisas assim - assenti com a cabeça com um sorriso. Voltei a abraça-lo passando os dedos pelas pontas do seu cabelo - eu sei - murmurei encostando a testa à sua cabeça.

Sorri, acabando por soltar uma gargalhada baixinha quando concordou  e voltei a encostar-me completamente a ele, escondendo a minha cara no seu pescoço. Gostava de fazer aquilo, sentia sempre o seu cheirinho em mim. Rodeei-lhe a cintura, ficando a passar as pontinhas dos meus dedos pelo fundo das suas costas e fechei os olhos com um suspiro.
- Não te vais afastar de mim, pois não? - perguntei baixinho.- eu não te faço mal, eu prometo.- murmurei no mesmo tom.

Estava a tentar concentrar-me nele, mas mesmo com o clima tenso, eu conseguia ficar com as ideias todas todas trocadas por causa da sua respiração no meu pescoço. Ficava todo arrepiado. Abracei-o com mais força quando falou e afastei-me apenas um bocadinho para o olhar.
-Eu sei que não fazes, não causaste nada disto Brad.

Soltei um resmungo baixinho quando ele se afastou, mas lá o olhei meio contrariado. Limitei-me a encolher os ombros, não tendo a certeza se acreditava nele e voltei a encostar-me a ele, ficando a agarrar na sua camisola com força. Se não fosse ele, eu já tinha dado cabo de tudo, já tinha dado cabo de mim, ainda mais do que o que já estava.

Suspirei por só ter encolhido os ombros e tentei pensar numa hipótese dele reagir ou melhor, dele esquecer tudo. Levantei-lhe a cabeça com um sorriso meio maroto e beijei-lhe os lábios encostando-me a ele já que me estava a agarrar pela camisola.

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Nunca, durante os meus dois anos ali, eu me tinha sentido como me estava a sentir naquele momento. Atrevia-me a dizer que sentia nojo de quem era. Podia não ter culpa de existir uma bomba, podia até nem ter culpa de aquelas crianças estarem debaixo de escombros, mas tinha culpa de não as ter salvo, afinal, era para isso que supostamente eu ali estava, para salvar vidas, que espécie de soldado era eu se não o fizesse? Soltei um suspiro, abanando a cabeça e já só senti a mão de Daniel no meu queixo, fazendo-me assim levantar o olhar até o dele. Olhei os seus olhos, franzindo ligeiramente a minha testa e quando o senti aproximar a sua cara mais da minha, eu fiz o mesmo até sentir os seus lábios nos meus. Sim, era daquilo que eu precisava, precisava daquilo naquele momento e algo me dizia que ia precisar para sempre. Tentei parar com os pensamentos laméchicos e concentrar-me no seu beijo. Levei uma das mãos à sua bochecha, não deixando de lhe apertar a camisola e aprofundei ligeiramente o beijo, fechando os olhos com um suspiro.

Suspirei contra os seus lábios quando me encostei mais ao seu corpo e puxei-o mais para mim pelo casaco. Era pena não poder fazer mais do que isto, era o que me apetecia quando o beijava. Tive mesmo que afastar os meus lábios dos dele para conseguir parar de pensar em certas coisas que tanto podiam ser laméchicas como mais sexys e encostei a cabeça ao seu ombro respirando fundo.
-Vamos sair daqui - murmurei. - Se derem pela nossa falta eu digo que não me senti bem.

Eu sabia que o beijo ia acabar mais tarde ou mais cedo, e apesar de essa ser a última coisa que eu queria naquele momento, era bom que me mentalizasse, porque eu sabia que se continuássemos, não íamos ficar apenas por simples beijos. Eu sabia que não era o único a querer. Suspirei baixinho quando os seus lábios se separaram dos meus, mas nem por isso deixei que o seu corpo fizesse o mesmo. Passei a ponta do meu polegar pela sua bochecha e depois baixei o olhar para ele, ficando assim com a cabeça ligeiramente encostada à sua.
- Está bem.- murmurei baixinho.- mas não precisas, eu posso bem assumir as culpas.- encolhi ligeiramente os ombros, afastando-me devagarinho para me começar a levantar.