Iraque

Soltei um longo suspiro quando percebi que o miúdo estava sozinho e passei as mãos pelo cabelo, sem saber o que fazer. Ele não tinha mais ninguém, não o podíamos deixar ali sozinha. Mas por outro lado, para onde é que o podíamos levar? Se Karen descobrisse que tínhamos uma criança connosco, ela ia ficar mais maluca do que o que já era. Senti-me despertar dos meus pensamentos assim que ouvi o menino falar e só quando desviei o meu olhar de novo para ele é que assimilei as suas palavras, arregalando os olhos. Namorados? Eu e ele? Não é que me..nem penses. Arregalei os olhos cada vez mais, começando a rir-me de repente, de forma nervosa claro.
- Os miúdos dizem cada coisa. - passei as mãos pelo meu cabelo várias vezes e parei de rir de repente, ficando muito sério. Voltei a arregalar os olhos e abanei a cabeça muitas vezes seguidas.- não.- murmurei, levantando-me agarrado ao meu capacete.

Fiquei a olhar para Brad devido às expressão faciais que ele fazia e pelos vistos Ben também tinha ficado porque olhou para mim com um sorriso matreiro - podem não ser mas ele quer - arregalei os olhos abanando a cabeça.
-Não quer nada - disse sentindo uma coisa no peito que não percebia muito bem o que era. - nós temos que decidir onde te vamos levar. - ele abriu muito os olhos.
-Eu quero ficar com vocês - disse já com as lágrimas nos olhos.

Tinha o coração a mil e desta vez não era por estar a correr perigo de vida, era mesmo por causa da pergunta do miúdo e do que ela me fazia imaginar. Eu estava maluco, definitivamente maluco. Agarrei-me ao meu capacete, começando a andar de um lado para o outro, com demasiadas coisas na cabeça e foi então que o ouvi de novo fazendo-me parar de repente. Como é que ele sabia? Não, credo, a pergunta era: para que é que ele estava a dizer aquelas coisas. Olhei-o, abanando um dedo na sua direcção.
- Eu ouvi.- murmurei.- e não percebo para que é que estás a dizer essas coisas.- revirei os olhos, começando a abanar-m com o capacete, eu estava mesmo muito mal. Respirei fundo, passando uma mão pela cara toda suada e voltei a olhá-los, quando ganhei coragem, ouvindo-o dizer que queria ficar connosco, o que me fez olhar para Daniel sem saber o que dizer. Aquilo não ia correr bem.

-Eu tinha duas mães, uma era inglesa e outra americana, mas vieram para cá. Eu sei quando duas pessoas gostam de estar com a outra - disse de uma forma toda inteligente fazendo-me ficar meio confuso.
Apesar de Ben me estar a olhar eu estava a olhar Brad, ele estava todo a suar e a andar de um lado para o outro a abanar-se, eu começava a ficar preocupado porque ele ainda não estava totalmente recuperado da ferida. - Como é que está a tua ferida? - tive que perguntar.
Suspirei abraçando-o com força - então ficas - encolhi os ombros, ia conseguir arranjar-lhe um sítio para que ele ficasse perto de nós e assim eu lhe pudesse dar comida pelo menos.

Mais uma vez, parei de fazer o que quer que fosse quando ouvi o miúdo falar de novo. Ele tinha duas mães? Duas mulheres? Tal como eu e..ninguém, tal como eu e ninguém. Arregalei ligeiramente a cabeça, apertando o capacete nas minhas mãos com força e acabei por me ter de sentar no chão, encostando a cara à madeira daquela casa, que felizmente estava mais fresca do que eu. O que também não era muito difícil.
- Estás a confundir as coisas.- disse-lhe, esperando que ele parasse com aquela conversa ou ainda me dava uma coisa ali. Desviei o olhar para Daniel assim que percebi que estava a falar para mim e encolhi ligeiramente os ombros.- depois de tudo o que se passou, já nem sequer sinto as dores.- confessei.- mas deve estar na mesma, espero eu.- murmurei, engolindo em seco mal o ouvi falar depois. Ele queria o miúdo connosco. Como se fosse..valha-me nossa senhora, matem-me já.- tens a certeza de que é isso que queres fazer? - perguntei-lhe.

Ben encolheu os ombros face à resposta de Brad e agarrou-se ao meu pescoço para esconder a cara no mesmo. Ele devia ter menos de seis anos, mas mais de três, sem dúvida. Afaguei-lhe as costas ficando a olhar para Brad e suspirei levemente, tínhamos que voltar ou aquilo ia piorar. Não queria vê-lo pior, porque para além disso ser mau, fazia com que eu passasse mais horas com ele, mais horas perto dele e isso eu não sabia se conseguia aguentar sem o conseguir beijar. Arregalei ligeiramente os olhos com o meu pensamento e voltei a concentrar-me em Ben - não o vou deixar aqui abandonado - disse em tom de resmungo.

Aproveitei o facto de Daniel me ter lembrado da minha ferida, para levantar a minha camisola. O penso estava encharcado de sangue, mas não me doía por isso, antes que Daniel visse, voltei a baixar a camisola e levantei o olhar para eles, levantando-me devagar e meio agarrado à parede, antes que caísse. Passei as mãos pela cara, limpando pela milésima vez o suor que escorria pela mesma e revirei os olhos quando ouvi Daniel reclamar comigo.
- Eu só fiz uma pergunta.- resmunguei também.- sabes que se formos descobertos, vamos ser castigados, não sabes?- perguntei, voltando a colocar o capacete.- mas tudo bem, eu prometi que cuidava de ti, consigo proteger mais um.- encolhi os ombros.- só precisamos de ser discretos, o mais possível.

Olhei para Ben quando fechou os olhos e ouvi a sua barriga queixar-se com fome. Sorri levemente ao vê-lo corado agarrando-se a si próprio - já está quase a acabar - murmurei só para ele vendo-o assentir com a cabeça. Levantei o olhar para Brad a tempo de o ver ter que se agarrar a todo o lado para não cair enquanto se levantava e fiz logo uma careta mal começou a falar - eu não te pedi nada. - disse - por isso se me castigarem é a mim. - encolhi os ombros.

Abri a porta da casa, olhando lá para fora, para ver se os barulhos já tinham acabado, mas nem tive tempo de me aperceber assim que ouvi Daniel falar. Levantei as sobrancelhas, olhando-o por cima do ombro e senti-me ficar meio irritado com o que ele disse.
- Não me interessa que não me tenhas pedido nada.- resmunguei.- de qualquer das formas, desculpa lá se vos quero proteger.- revirei os olhos.- mas fomos nós que o encontrámos, fomos nós que o trouxemos para aqui e vamos ser nós que vamos ser castigados.- voltei a olhar em frente.- nós, não vais arcar com as consequências sozinho, por muito que isso te pareça incomodar.

Cerrei o maxilar cada vez que ele repetia a palavra "nós". Era irritante e só me fazia lembrar em nós. Em nós os dois. Os nosso beijos. Que raiva. Agarrei na minha arma atirando-a mas ela só foi cair aos seus pés - cala-te com isso - resmunguei com as bochechas meio vermelhas tanto por estar irritado, tanto pelos meus pensamentos. Ouvi Ben a rir-se e levantei as sobrancelhas.
-Vocês gostam mesmo um do outro.

Voltei a fechar a porta assim que continuei a ouvir o som dos tiros e suspirei. Parecia que ainda tínhamos um dia longo pela frente. Assim que me voltei a virar para ele, já só ouvi o som da arma de Daniel a cair. Levantei as sobrancelhas e baixei o olhar para o chão, vendo-a aos meus pés. Não consegui evitar rir-me e baixei-me, agarrando na mesma. Abanei a cabeça, caminhando até ele e só parei, quando o meu peito embateu no seu. Ali estava mais uma prova da minha demência.
- Por mais que não queiras.- olhei os seus olhos.- estamos nisto juntos.- disse, encolhendo os ombros e arregalei os olhos assim que ouvi o miúdo. Virei a cara para e revirei-lhe os olhos.- não digas nada que aqui a donzela ainda tem um ataque.- murmurei, espetando a arma contra o peito de Daniel, para que agarrasse nela.- não devias brincar com isto dessa forma princesa.- disse-lhe.

Quase que deixei cair o miúdo quando Brad encostou o meu peito ao seu fazendo-me ficar muito mais quente e com calor. De repente estavam uns cinquenta graus naquela cabana. Não consegui dizer nada apesar de me apetecer bater-lhe, bater-lhe de dar porrada. Desviei o olhar para o tecto por causa dos meus pensamentos e só voltei a olha-lo quando agarrei na arma e o ouvi chamar-me de princesa praticamente duas vezes repetidas. -Eu..- Cerrei o maxilar para não dizer nada que assustasse o miúdo, tinha que aproveitar que agora se ria.

Ajeitei o meu capacete, apertando a minha arma com uma mão e levantei as sobrancelhas ao ver as bochechas de Daniel ganharem cor. Ele também tinha sentido? Sim, porque eu podia estar com um ar todo gozão e meio descontraído, mas o meu coração estava a martelar-me os ouvidos, por ter estado tão próximo dele. Tentei não pensar muito nisso, continuando com o meu ar de sempre.
- Não precisas de ficar irritadinho.- encolhi os ombros.- lembra-te de que cria rugas.- disse. Tudo aquilo era para controlar a vontade que tinha de o agarrar e enchê-lo de beijos. Este era mesmo o meu fim. Encolhi os ombros, virando-lhe costas e fui abrir a porta de novo.- vamos embora daqui.

Semicerrei os olhos e não me aguentei, ele irritava-me tanto que só me apetecia mandar-lhe coisas. Agarrei no meu capacete mandando-o na sua direcção vendo-o embater no seu rabo. E que belo rabo. Abanei a cabeça para não pensar assim e coloquei Ben no chão agarrando-o pela mão. A única coisa boa nisto tudo era que não me lembrava do outro homem, aquele que tinha morto. Mordi o lábio para não voltar a chorar, tinha ali o miúdo não queria que ele me visse assim.
-É seguro? - perguntei apertando a minha arma.

Estava prestes a por um pé fora da porta, quando senti uma coisa vir contra o meu rabo. Levantei uma sobrancelha, olhando para trás por cima do ombro e mais uma vez, ele tinha-me mandado mais uma coisa, mas desta vez era o capacete.
- Ou tu não gostas da farda, ou adoras ver o quão forte é o meu corpo para aguentar com as tuas pancadinhas de amor.- revirei os olhos e apanhei o capacete, mandando-lho.- vê lá se acalmas as hormonas.- resmunguei e finalmente saí, olhando em volta.- achas que é? Eu estou a dizer para irmos embora agora, porque ouvi dizer que era a altura perfeita para nos matarem.- ironizei.

Agarrei no capacete mal mo mandou - estás a irritar-me, cala-te de uma vez - queixei-me talvez alto de mais, fazendo-me olhar logo para os lados e agarrar em Ben, mandando-o segurar-se a mim para segurar como deve de ser a arma sem ser eu a agarra-lo. Ignorei o que ele estava a dizer e engoli em seco - eu não quero matar mais ninguém - disse num murmúrio.

Revirei os olhos mal me mandou calar e senti as minhas bochechas ferverem, agora era eu que estava irritado.
- Já te disse para não me mandares calar.- resmunguei entre dentes, mal logo fiquei ligeiramente mais calmo com o que ele disse.- não vais matar.- assegurei, virando-me de costas para eles, para poder começar a andar à sua frente, protegendo-os.

Arregalei ligeiramente os olhos com o que ele disse e pela forma como o fez e apenas assenti agarrando-me melhor a Ben, ele às vezes assustava-me a sério, mas eu também era um medricas de primeira. Encolhi os ombros quando disse que não a matar e engoli em seco começando a sair devagarinho da cabana sempre atrás dele. Se bem que não gostava muito disso porque se aparecesse alguém de frente ele era o primeiro a ser atingido.

Olhei para trás algumas vezes, para me certificar de que me seguiam e também de que estavam bem. Apertei a minha arma nas minhas mãos, indo sempre à frente deles até chegarmos ao recinto. Quase já não estava lá ninguém, sem contar com os corpos caídos no chão. Parecia que finalmente tudo tinha terminado, ou então, tinham -se apenas deslocado para outro sítio, os arredores, supunha eu. Voltei a olhar para Daniel.
- Corre para ali.- ordenei, apontando para o carro onde tinha vindo.- tem cuidado.- disse baixo, para o caso de alguém nos estar a ver.

Havia tanta gente caída, tanto sangue e tanto fogo, eu podia ver aquilo milhares de vezes sem me conseguir acostumar. Arrepiava-me e dava-me vontade de vomitar, por isso apenas fiquei a olhar para as costas de Brad, ele conseguia entreter-me, pelo menos isso, apesar de todas as outras coisas. Assenti quando ele nos mandou para um carro e agarrei melhor em Ben para o proteger, correndo até onde ele nos tinham mandado ir.
-Para onde vamos? - perguntou baixinho.
-Para um lugar seguro - disse-lhe no mesmo tom.

Fiquei a olhar em todas as direcções enquanto Daniel se dirigia para o carro, tal como eu lhe tinha mandado e só fiz o mesmo depois de me assegurar de que não havia perigo, para nenhum de nós. Saltei para o carro, agarrando-me ao volante e antes de arrancar, olhei-os.
- Estão bem? - perguntei, mas na verdade nem esperei pela resposta, saindo dali.

Ben estava de novo a chorar, ele estava assustado, era normal se pudesse fazia o mesmo. Sentei-me no banco ao lado do condutor ficando com ele ao colo e a dar-lhe festinhas no cabelo deixando que ele ficasse agarrado a mim. Senti-me mais aliviado quando Brad veio sentar-se ao meu lado e assenti com a cabeça.
-Temos que parar antes de entrarmos - lembrei-me - temos que arranjar um sítio para ele

Eu nem precisava de olhar para Daniel para saber que estava tão ou mais nervoso e assustado do que Ben. Apesar de só ele chorar, quase que apostava que Daniel estava com vontade de fazer o mesmo.
- Vai correr tudo bem.- disse para os dois e estiquei apenas uma mão para tocar no cabelo de Ben. Subi o olhar de novo para Daniel e assenti.- eu sei.- disse.- mas diz-me tu quando parar.

Engoli em seco quando ele disse que ia correr tudo bem, não tinha tanta certeza, para além de ter morto um homem pela primeira vez à cerca de uma hora, estava a tomar conta de uma criança assustada que ia ter que ficar fechada em algum lugar perto do nosso acampamento. - Eu não sei onde parar - acabei por dizer virando a cara para a janela aposta onde ele estava. Estava demasiado nervoso para conseguir olha-lo.

Ok, eu não ia conseguir, assim eu não ia conseguir. Tudo aquilo, eles naquele estado, estava a deixar-me nervoso. Parei o carro, depois de Daniel me dizer que não sabia onde parar e encostei a cabeça ao banco, enquanto respirava fundo, olhando-o depois.
- Há um armazém abandonado perto do acampamento.- não é bem um armazém.- acabei por dizer.- é mais uma espécie de casa abandonada.- encolhi os ombros.- achas que ele consegue ficar lá?