Iraque

Engoli em seco ao sentir a sua mão tocar no meu queixo fazendo-me olha-lo e assenti com a cabeça mordendo a parte de dentro da bochecha, desviando o olhar do dele. Eu tinha-o beijado, era estranho porque.. Ele ia pensar que eu era... e eu não era. Claro que não era. Mas ele tinha gostado. Cerrei os punhos para me controlar, mas rapidamente esqueci aquilo tudo quando vi algo mexer perto de um dos contentores do lixo. Dei um passo em frente vendo depois que era alguém a esconder-se. Pressionei um lábio contra o outro e avancei até lá com o meu coração a martelar-me nos ouvidos. Baixei-me vendo que era apenas um miúdo assustado que tinha ficado ainda mais pálido quando me viu.

Juntei as sobrancelhas enquanto o olhava e ainda abri a boca para falar, mas mal ouvi um barulho vindo dos contentores, virei a cara na direcção dos mesmos de repente, vendo Daniel aproximar-se. Pelos vistos não tinha sido o único a ouvir.
- Espera.- tentei chegar lá primeiro que ele, mas já não fui a tempo. Acabei por segui-lo, ficando sempre em alerta para o caso de ser alguma espécie de armadilha, mas assim que me aproximei o suficiente vi uma criança escondida atrás dos mesmos.- oh, merda.- resmunguei. Eu não o queria matar, era uma criança, não lhe queria fazer mal, mas os outros estavam sob ordens de matar sem olhar a quem. Passei as mãos pela cara, respirando fundo e olhei em volta.- como é que o vamos tirar daqui?

-Olá - murmurei esticando-lhe uma mão, ele engoliu em seco mas deve ter percebido que eu não lhe ia fazer nada por agarrou nela. Sorri agarrando-o ao colo e passei a mão pela sua cabeça abraçando-o com força para o proteger das balas. Olhei para Brad que estava mesmo ao meu lado e engoli em seco - não o vamos deixar aqui - disse-lhe.

Fiquei a olhar para Daniel, que pegou no menino ao colo e dei por mim a sorrir ao olhá-los. Mas não pude ficar assim durante muito tempo porque mal ouvi o som das balas, pus-me logo em alerta. Virei-me para trás, apontando a arma naquela direcção, mas quando reparei que a confusão estava afastada de nós, voltei a olhar para Daniel.
- Eu sei.- assenti, engolindo em seco, tentando pensar em alguma coisa.- mas também não o podemos levar connosco.- suspirei.- se ao menos houvesse um sítio onde o pudéssemos deixar a salvo.

O miúdo tentou esconder-se no meu pescoço agarrando-se a mim com bastante força. Afaguei-lhe as costas levantando-me e olhei para Brad engolindo em seco - eu não sei o que fazer murmurei indo novamente para o outro lado da rua, encostando-me à parede, sentando-me numa caixa de madeira que ali estava com o miúdo ao colo. Se eu já estava a morrer de medo, com ele a chorar ainda tinha mais.

Eu tinha o coração prestes a saltar-me do peito, eu estava encurralado, eu não sabia o que fazer. Eu queria salvar aquele menino, isso e manter Daniel a salvo eram as coisas que mais queria naquele momento. Mas nós não o podíamos levar connosco, aquilo podia ser chamado de missão de paz, mas não estávamos a fazer mais nada se não matar pessoas. Fossem elas inocentes ou não, tão simples quanto isso. Voltei a olhar para trás mal ouvi o som dos tiros e passei a mão pela minha testa suada, sentindo-me a tremer por todos os lados.
- Nós não vamos conseguir sair daqui com ele.- disse aproximando-me dos dois. Olhei para o menino, que a cada minuto que passava chorava mais e mais, e suspirei, ajoelhando-me até ficar mais à altura dele.- nós vamos ajudar-te, tem calma.- murmurei baixinho, passando as mãos pelo seu cabelo. Baixei-me ligeiramente, mal o som dos tiros se aproximou de nós e respirei fundo, olhando em volta e foi então que vi uma espécie de barracão, ao longe, o suficientemente afastado de nós.- consegues ir para ali com ele? - perguntei, olhando para Daniel enquanto apontava para lá.- consegues ir sem seres ferido? - suspirei.- fica lá com ele até isto acabar, eu vou ter com vocês depois.- subi o olhar para ele.

Não estava a olhar directamente para ele, sinceramente não conseguia desde o momento em que tinha parado aquele beijo, mas conseguia senti-lo ao meu lado e acho que nunca o tinha visto tão assustado e sem saber o que fazer. - Ele não te percebe - murmurei mal Brad lhe falou sentindo o miúdo aos soluços contra mim. Encolhi-me devido aos sons cada vez mais perto. Assenti com a cabeça ao que ele me perguntou - Acho que sim - disse engolindo em seco e levantei-me sentindo os braços do menino agarrar-se mais ao meu pescoço.

Eu estava em pânico, pela primeira vez desde há muito tempo, eu estava completamente em pânico. Estavam duas vidas na minha mão e eu não sabia o que fazia se acontecesse alguma coisa a algum deles. A minha vontade era ir com o Daniel e com o miúdo para lá, mas iam dar pela minha falta e agora que estava aqui, eu ia ter de matar. Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força e voltei a passar uma mão pela cara, respirando fundo antes que me desse um ataque. Encolhi os ombros quando Daniel me disse que o miúdo não me percebia e fiquei a vê-lo levantar-se, acabando por o puxar mais para mim. Eu só esperava não morrer, tanto a minha cabeça como a minha ferida estavam a latejar, mas eu não tinha tempo para parar agora. Fiquei a olhá-lo, sem saber porque é que o tinha puxado, mas o meu corpo começou a aproximar-se do seu. Encostei a minha cabeça à sua, ou melhor, o meu capacete ao seu e mesmo por cima de todo aquele barulho dos tiros, eu conseguia ouvir o meu coração. Eu só queria conseguir salvá-los e não morrer. Era só isso que eu queria.
- Eu..- murmurei, mas acabei por me calar, abanando a cabeça. Estava prestes a ficar ainda mais maluco. Puxei-o mais para mim, tentando ignorar o choro daquela criança, o que era quase impossível, e colei os meus lábios aos de Daniel por segundos. Não, nem penses, eu podia morrer ali, eu não ia morrer sem fazer aquilo, que se lixassem os pensamentos e o quanto aquilo era errado.- tem cuidado.- falei ainda contra a sua boca.- por favor.- pedi, sentindo-me mais nervoso do que ele e a custo, acabei por me afastar para que ele fosse.

Olhei para Brad mal me puxou na sua direcção e abracei melhor o miúdo engolindo em seco. Só me apetecia beija-lo outra vez, eu não conseguia perceber porque é que só agora é que estava a sentir isto por um rapaz, quer dizer, nunca tinha tido tanta vontade, nem com uma rapariga. Mordi a parte de dentro da bochecha ao ver os lábios de Brad tão perto e nem sequer pensei em me afastar quando ele me beijou. Ele... Assenti com a cabeça com os olhos muito abertos e virei a cara para olhar para a barraca - não te mates - disse baixinho começando a afastar-me tendo que virar costas para ver o caminho e nos proteger a ambos.

Ainda fechei os olhos à espera de receber um estalo, mas no fundo, eu sabia que isso não ia acontecer, ele também me tinha beijado da outra vez. De qualquer das formas, isto não deixava de ser errado e completamente descabido, ele era um rapaz, desde quando é que eu gostava de rapazes? Quer dizer, eu não gostava de rapazes, eu gostava de raparigas, era não era? Oh, por favor, a quem é que eu queria enganar? Eu desejava-o mais do que alguma vez tinha desejado quem quer que fosse e sinceramente, isso estava a dar comigo em maluco. Fiquei a olhá-lo, até desaparecer, e só depois é que me virei para trás, agarrando bem na minha arma enquanto a apontava em todas as direcções. Parei assim que ouvi o som de um galho a partir-se atrás de mim e mal me atrevi a virar-me, já só vi uma arma mesmo em frente dos meus olhos, fazendo-me começar a suar ainda mais por todos os lados. O outro murmurou algo que eu não conseguia perceber e apontou com o queixo para o chão, como que a dizer-me que pousasse a arma. Eu sabia, era hoje que eu ia morrer.

Respirei quando consegui chegar à cabana, parecia que ia cair, mas quando acabei aquilo percebi que era bastante consistente. Sentei o miúdo à minha frente e dei-lhe uma festa na bochecha apontando para que ficasse ali. Ele limpou as lágrimas assentindo com a cabeça e eu levantei-me olhando para trás e engolindo em seco. Não sabia e ia conseguir, mas eu não podia deixa-lo lá sozinho, provavelmente só me ia matar a mim, mas não conseguia. Saí da cabana olhando em volta agarrado à minha arma e só parei atrás de um homem que estava a gritar com Brad. Ele...

O dia não podia estar a correr pior, é que não podia mesmo. Primeiro o beijo na tenda, quer dizer, o meu problema não era o beijo, porque como já tinha dado para reparar, eu tinha gostado. Para além disso, tínhamos encontrado um rapaz que estava praticamente a nosso encargo e agora, agora tinha uma arma apontada à minha testa, e bastava um único disparo para eu cair redondo no chão. Mordi a parte de dentro da bochecha com força, enquanto pensava no que é que podia fazer, mas a verdade é que bastava piscar os olhos para ele disparar de repente, já para não falar de que ele não parava de berrar. Cerrei o maxilar, pronto para começar a gritar também com ele e foi então que vi Daniel aparecer por trás. Arregalei os olhos, sentindo o meu coração falhar uma batida e tentei mesmo não me mexer, para que o outro não suspeitasse que tinha ninguém atrás dele. Fechei os olhos, sentindo-me um cobarde, por não estar a tentar fazer nada e abanei a cabeça, para que Daniel não fizesse nada. Se o outro descobria, se o outro sabia que Daniel estava ali, nós éramos dois homens mortos.

Ele não podia fazer nada, se ele se mexesse morria. Simplesmente... deixava de existir. Não podia deixar de existir, não podia. Não era só porque sem ele eu estava morto, visto que ele era o que me protegia ali dentro, era porque eu não podia... ficar sem ele. Engoli em seco com o meu pensamento e olhei a arma que tinha contra o peito. Não podia esperar mais tempo, não podia pensar muito mais, já estava a empatar à muito tempo. Agarrei na minha arma fazendo pontaria à cabeça do homem, eu sempre tinha tido boa pontaria, eu era dos melhores, mas também era dos mais cobardes. Fechei os olhos respirando fundo e assenti dei por mim já tinha disparado.

Assim que o outro começou a berrar cada vez mais e mais alto, eu fechei os olhos. Ele ia matar-me, era agora, eu tinha quase a certeza. Podia não perceber o que me dizia, mas o tom agressivo, a forma como agarrava a arma e como a apontava para mim, eu ia morrer ali. Ao fim de dois anos, depois de estar prestes a conseguir ficar ainda melhor no que fazia, eu ia morrer. Depois de o ter conhecido, eu ia morrer. Baixei a cabeça, ao sentir o meu queixo tremer e todo o meu corpo estremeceu assim que o som de um disparo se fez ouvir. Fiquei parado, à espera de começar a sentir dores, mas não aconteceu nada. Abri os olhos de repente, quando me lembrei de que Daniel também estava lá e foi então que vi o outro homem caído no chão e Daniel com a sua arma apontada para ele. Engoli em seco, com o meu coração a bombardear-me os ouvidos e olhei-o, ainda todo a tremer.
- Eu disse..- abanei a cabeça.- tu não..- eu não conseguia, estava a ser um dia demasiado longo. Baixei-me para agarrar na minha arma, ainda com o meu queixo a tremer e abanei a cabeça, respirando fundo.- estás bem? - perguntei, ainda a olhar para o chão, passando o braço pelas bochechas assim que as lágrimas começaram a escorrer. Eu podia ser grande e forte, mas não era de ferro.

Assim que o corpo caiu à minha frente eu continuei na mesma posição sentindo a minha cabeça à roda. Agora ainda estava a suar mais, o meu coração tinha parado de repente dele e o sangue tinha-me fugido por todo o lado. Fiquei a olhar para Brad tentando a perceber o que ele me estava a dizer, mas nada conseguiu entrar na minha cabeça. Desci o olhar para a sua mão agarrando-a e puxei-o até aonde tinha deixado o miúdo ainda com o meu corpo todo a tremer.

Endireitei-me, quando não obtive resposta de Daniel e olhei-o, esquecendo todo o pânico que estava a sentir mal vi o seu estado. Ele tinha morto uma pessoa, pela primeira vez. Abanei a cabeça, cerrando o maxilar e comecei a andar mal ele me agarrou na mão. Eu tinha-lhe prometido que ele não ia ter de matar ninguém e no fim de contas, teve mesmo de o fazer para que eu não morresse. Abanei a cabeça, parando de andar de repente e agarrei-lhe bem na mão para que parasse também. Já estávamos afastados da confusão, por isso não corríamos perigo. Deixei a minha arma cair no chão e tirei-lhe a dele das mãos, retirando-lhe o capacete também.
- Daniel.- olhei-o atentamente, agarrando-lhe com as duas mãos na cara e suspirei baixinho.- estás a ouvir alguma coisa do que eu estou a dizer? - perguntei, mas ao vê-lo todo a tremer, nem esperei que falasse ou se mexesse, abraçando-o com força.- vai ficar tudo bem.

Juntei as sobrancelhas quando ele me forçou a parar e já só senti o meu corpo ficar mais leve sem o capacete e a minha arma. O meu olhar foi parar no seu quando ele me obrigou. Senti o meu queixo tremer, o que me fez cerrar o maxilar abanando a cabeça. Eu não estava mesmo a ouvir nada do que ele dizia mas, assim que ele me abraçou deixei a minha cabeça encostar-se ao seu peito, não conseguindo aguentar o choro durante muito mais tempo. Ele ia pensar que eu era um bebé, mas não era. Aquele homem podia ter feito muito mal mas continuava um humano, um ser vivo, eu não matava nem uma mosca. Se elas existiam era por alguma razão. Isto só me fazia cada vez mais um deles. Eu não queria ser um deles.

Suspirei, ao senti-lo encostar-se ao meu corpo e fiquei abraçado a ele o tempo que foi preciso até começar a ouvir o seu choro. Eu já sabia que aquilo ia acontecer, acontecia com toda a gente, até comigo tinha acontecido. Ainda por cima ele que era mais sensível a tudo isto. Abanei a cabeça, passando a mão pelo seu cabelo e encostei a minha cabeça à sua, deslizando depois as minhas mãos pelas suas costas.
- Shh.- murmurei baixinho.- vai ficar tudo bem.- falei só para ele. Apertei-o contra mim e afastei-me apenas o suficiente para lhe limpar as lágrimas, voltando a abraçá-lo depois. Só de o ver assim, tinha o coração mais do que apertado.- vai passar.

Cerrei o maxilar quando disse que ia ficar tudo bem e engoli em seco abanando de novo a cabeça. Não ia ficar tudo bem. Eu tinha-o beijado, ele tinha-me beijado, eu tinha morto um homem porque não ia conseguir estar sem ele. Isto estava tudo menos bem e não ia passar. Eu estava tão confuso. Mesmo assim agarrei-me à farda dele até conseguir parar de chorar e assim que isso aconteceu olhei para trás, continuando encostado e ele - vamos ter com ele - pedi baixinho.

Mordi a parte de dentro da minha bochecha com força assim que o vi abanar a cabeça e apertei-o mais contra mim, tentando de alguma forma que aquilo ajudasse. Eu sabia que não estava tudo bem, que estava longe de ficar bem, mas eu tinha de o acalmar de alguma forma, se bem que duvidava que aquilo estivesse a fazer algum efeito. Acabei por ficar calado e baixei o olhar para ele assim que o ouvi falar, depois de o seu choro ter acalmado. Olhei para trás, para a casa onde ele tinha deixado o miúdo e assenti, deixando-o encostado a mim enquanto andávamos.
- Tens a certeza de que ele ainda está lá? - perguntei baixinho.

Assenti com a cabeça para lhe responder à pergunta, ele estava lá, eu tinha certeza. Ele estava tão ou mais assustado que eu. Assim que entrei na barraca passei as mãos pela cara mal o vi sentando-me ao seu lado, vendo-o encostar-se a mim. Sorri passando os dedos pelo seu cabelo.
-Pensava que vocês eram maus - disse ele com um tom choroso com um inglês bastante mau mas que se percebia. Levantei as sobrancelhas impressionado por ele conseguir falar a nossa língua e perceber.
-São só alguns - disse-lhe com um suspiro.

Depois de Daniel responder à minha pergunta, continuei a andar a seu lado até chegarmos à casa onde estava o miúdo. Deixei que Daniel entrasse primeiro, entrando depois dele e arregalei ligeiramente os olhos assim que ouvi o miúdo falar. Não era ele que não percebia? Levantei uma sobrancelha, surpreendido com aquilo tudo, mas acabei por deixar isso de parte, quando ouvi o que ele disse. Tirei o capacete, sentando-me ao lado deles e passei as mãos pelo meu cabelo suado, tentando dar-lhe um jeito.
- Onde estão os teus pais? - perguntei, falando devagar e pausadamente, para que ele percebesse.

O miúdo agarrou-se ao meu pescoço fazendo-me com que eu agarrasse nele ao colo de novo - mortos - engoli em seco passando os dedos pelo seu cabelo curto.
-Como é que te chamas? - perguntei baixinho vendo-o olhar-me com uns olhos verdes muito grandes.
-Bennard - disse baixinho - a minha mãe era inglesa.

Arregalei ligeiramente os olhos com a sua resposta e engoli em seco, batendo-me mentalmente por ter feito aquela pergunta, se bem que eu precisava de saber. Dei por mim a olhar a forma como Daniel agarrava nele, mas acabei por abanar a cabeça antes de começar a pensar coisas. Ajoelhei-me à frente deles e tal como Daniel, passei as pontinhas dos dedos pelo cabelo dele, voltando logo a baixar a mão.
- Não tinhas mais ninguém? - perguntei baixinho. Eu não gostava de fazer aquelas perguntas, mas eu precisava mesmo de saber o que fazer com ele.- sem ser os teus pais..?- expliquei-me.

Ben abanou a cabeça encostando-se ao meu peito - não - disse baixinho. Suspirei baixinho sentindo o meu coração apertado, ele estava sozinho sem ninguém ainda por cima era meio inglês. - vocês são namorados? - perguntou baixinho fazendo-me arregalar os olhos com uma careta abanando muito a cabeça.
-Não - disse logo.